A música ritual do candomblé costuma ser chamada de "toada" ou "cantiga", sendo este o termo mais usado em São Paulo, atualmente.
"Em candomblé a gente não chama "música". Música é um nome vulgar, todo mundo fala. É um... como se fosse um orô (reza)... uma cantiga pro santo".
Aqui, entenderemos "cantiga" como um poema musicado, ou seja, a sobreposição de letra a melodia. Desse modo podemos classificar as cantigas em dois grupos principais: aquelas destinadas às cerimônias privadas (de roncó), cuja letra (em português ou fragmentos de línguas africanas) alude às etapas do rito e aquelas das cerimônias públicas (de barracão), cuja distinção em relação às primeiras se dá pela referência aos mitos e pela presença do ritmo, executado pelos atabaques. Entretanto, as mesmas cantigas cantadas no barracão podem, por vezes, serem ouvidas no "roncó", sem o ritmo característico. Nos candomblés ao tempo de Arthur Ramos (1934:163), contudo, o ritmo acompanhava as cerimônias privadas.
A presença do ritmo no barracão parece estar associada à dança, que rememora os atributos míticos das divindades. Desse modo, um deus guerreiro, como Ogun, estabelece uma coreografia na qual os movimentos serão ágeis, rápidos e vigorosos, adequando-se ao ritmo executado, diferentemente dos passos lentos, fluidos e ondulantes de Oxum, uma deusa das águas.
"Eu vejo a música como a. representação de expressar a dança do orixá, o preceito, o que ele faz como ele vive... Como se fosse eu falando da minha vida ou cantando alguma coisa para ele."
Assim, com seus ritmos característicos, cada orixá expressa, na linguagem musical e gestual, suas particularidades, criando uma atmosfera na quais estas se tornam inteligíveis e plenas de sentido religioso. Daí poder falar dos ritmos mais freqüentes no candomblé em termos do que representam e de sua relação com as entidades às quais homenageiam.
O adarrum é o ritmo mais citado como característico de Ogun. É um ritmo "quente", rápido e contínuo, que pode ser executado sem canto, ou seja, apenas pelos atabaques. Pode, também, ser executado com o objetivo de propiciar o transe. O toque de bolar, por exemplo, se faz ao som do adarrum.
O aguerê é o ritmo de Oxóssi. É acelerado, cadenciado e exige agilidade na dança, do mesmo modo que a caça exige a agilidade do caçador. O ritmo de Obaluaê é o opanijé, um ritmo pesado, "quebrado" (por pausas) e lento. Este ritmo lembra a circunspeção deste deus das epidemias, ligado à terra.
O bravum, embora não seja atribuído especialmente a algum orixá, é freqüentemente escolhido para saudar Oxumarê, Ewá e Oxalá. É um ritmo relativamente rápido, bem dobrado e repicado. A dança preferida de Xangô se faz ao som do alujá, um ritmo quente, rápido, que expressa força e realeza recordando, através do dobrar vigoroso do Rum, os trovões dos qual Xangô é o senhor.
Ijexá, o único ritmo tocado com as mãos no rito Ketu é, por excelência, o ritmo de Oxum. É um ritmo calmo, balanceado, envolvente e sensual, como a deusa da água doce, à qual faz alusão. Ele é tocado ainda para o orixá filho de Oxum, Logun-Edé e, algumas vezes para Exu e para Oxalá.
Para Iansã, divindade dos raios e dos ventos toca-se o agó, ilu, ou aguerê de Iansã, termos que designam um mesmo ritmo que, de tão rápido, repicado e dobrado, também é conhecido como "quebra-prato". É o mais rápido ritmo do candomblé, correspondendo à personalidade agitada, contagiante e sensual desta deusa guerreira, senhora dos ventos e que tem poder de afastar os espíritos dos mortos (eguns).
Sató, um ritmo vagaroso e pesado, é geralmente tocado para Nanã, considerada a anciã das iabás (orixás femininos).
O batá, talvez um dos ritmos mais característicos do candomblé, pode ser tocado em duas modalidades: batá lento e batá rápido, sendo o primeiro executado para os orixás cuja dança comedida denotam certas características de suas personalidades, como a dança de Oxalufã, o deus arcado e velho que, com seu paxorô (cajado), criou o mundo. Significativamente, o termo batá, designa também o tambor de duas membranas, afinadas por cordas, cujo uso nos candomblés do Norte e Nordeste do Brasil é tão difundido que talvez por este motivo o ritmo tenha tomado seu nome, ainda quando não executado por este instrumento.
Vamunha é um outro ritmo, também conhecido por: ramonha, vamonha, avamunha, avania ou avaninha, tocado para todos os orixás. É um toque rápido, empolgado e tocado em situações específicas como a entrada e saída dos filhos de santo no barracão e para a retirada do orixá incorporado. É nesse momento que o orixá saúda os pontos de axé da casa e se retira sob a aclamação dos presentes.
Todos os toques (ritmos) acima são característicos do rito Ketu e, conforme procuramos demonstrar, associa letra, melodia e dança que, integrados, "narram" a experiência arquetípica dos orixás, vividas em nível individual e grupal e cujo ápice é o transe. Alguns destes ritmos são tão personalizados dos orixás que podem dispensar as letras ou mesmo a dança como elemento de identificação. É o caso do alujá, do opanijé e do agó (quebra-prato), consagrados a Xangô, Obaluaê e Iansã, respectivamente.
No rito Angola, o repertório rítmico é composto por três polirritmos básicos e algumas variações sobre estes. São eles: cabula congo e barravento (do qual a variação mais conhecida é a muzenza). Todos são ritmos rápidos, bem "dobrados", repicados e tocados "na mão" (sem varinha). De modo geral, todas as divindades podem ser louvadas com cânticos ao som de qualquer dos três: sejam os orixás, inkices, ou aquelas tidas como originárias dos cultos ameríndios (caboclos índios e boiadeiros). A própria aceitação dos elementos nacionais sobrepostos às influências africanas no candomblé angola é perceptível, principalmente pelas letras das cantigas, cantadas em português e mescladas aos fragmentos das línguas "bantu". No Ketu a tolerância ao português é mais restrita e as casas de Ketu que cultuam caboclos estabelecem uma "mediação" que intercala, na ordem do xirê, o toque dos caboclos. Assim, para que o "xirê Ketu" possa abrigar as toadas de caboclo é preciso que ocorra uma "transição musical", na qual o toque "vira para Caboclo”, não sem antes serem cantadas algumas cantigas de angola como este ingorossi (reza):
"Sequecê di quan Dandalunda
Sequecê di quando eu andá...“.
(rito angola)
Desse modo, vemos como os repertórios musicais referendam as sobreposições dos modelos angola e ketu, sendo um dos elementos principais para sua afirmação e identificação. No caso do candomblé angola, é inegável que um repertório cuja letra permite associações com palavras em português, estabeleça uma comunicação muito mais direta e fácil, inclusive entre a divindade e o interlocutor, tornando-se mais "inteligível" e mais facilmente memorizável . Eis um exemplo:
"Fala mameto caiangô
Kicongo quando come
Lemba di lê “.
(cantiga de Obaluaê - rito Angola)
"Aê seu kafunã
Omulu que belo ojá
Aê aê seu Kafunã"
(idem)
O mesmo acontece com as toadas ou "salvas" de caboclo (cantiga com que o caboclo se apresenta), cujas letras costumam ser em português e relatam acontecimentos relacionados a sua "vida" mítica, entre outras coisas. Como esta:
"Eu vinha pelo rio de contas
Caminhando por aquela rua
Olha que beleza!
Sou boiadeiro do clarão da lua"
Ou ainda esta outra:
"Campestre verde, ó meu Jesus (bis)
Madalena chorava aos pés da cruz
Com sete dias, minha mãe me deixou (bis)
Me deixou numa clareira, Ossanha que me criou"
Nesse sentido, os ritmos angola compartilham um repertório musical muito mais próximo do modelo de música popular brasileira, dentro da qual o samba é a principal expressão. Não é de se estranhar que um toque de angola seja também chamado de "samba de angola", fazendo referência não apenas à semelhança dos ritmos, mas também à alegria e descontração da dança. Ao contrário da coreografia Ketu, caracterizada pelas particularidades do orixá e conduzida pelo ritmo, no angola um número bem menor de variações rítmicas admite um leque maior de danças, incluindo a dos caboclos, que dançam com maior inventividade. Por outro lado, alguns ritmos podem caracterizar situações rituais precisas, que terminam por eles sendo denominadas. É o caso do "barravento" que, sendo um toque rápido e propiciatório ao transe (e, portanto semelhante ao adarrum no Ketu), acaba denominando os movimentos que prenunciam o transe. Também o ritmo muzenza (uma "variação" do "barravento") pode designar a dança, curvada, característica da primeira saída pública de iniciação no angola, também chamada de "saída de muzenza", símbolo da humildade do iniciado.